O tempo contado (17/12/1999)
Foi nos anos vinte do século VI, que o Papa João I pediu a Dionísio o Exíguo que estabelecesse um novo calendário, baseado no nascimento de Cristo. Após muitas consultas e leituras, Dionísio concluiu que Jesus deveria te nascido a 753 A.U.B (ad urbe condita - data contada a partir da presumível fundação de Roma, confirmada ou legitimada, já há séculos, pelo designado ‘código juliano’).
Nesse sentido, segundo as notações de Dionísio o Exíguo, Cristo teria nascido a 25 de Dezembro de 753 A.U.C., embora o primeiro ano da Cristandade só devesse ser contado a partir do primeiro de Janeiro do ano seguinte, isto é, de 754 A.U.B (momento da circuncisão de Jesús, após a sua primeira semana de vida). Acontece que, por não dispor do número e sobretudo do conceito de zero (criação indiana e depois islâmica dos séculos VIII para IX, segundo Stephen Gould), Dionísio não pôde baptizar o ano de 754 como ano 0, acabando antes por designá-lo, para a posteridade, como se fosse o verdadeiro ano 1.
Esse facto viria criar inusitados embaraços nas passagens festivas dos séculos, sobretudo quando, a partir dos anos oitenta do século XVI, com o plano reorganizador de Gregório XIII, a cronologia temporal cristã se ajustou em todo o Ocidente cristão (até aí os anos iniciavam-se, na Europa, nos meses mais diversos, sobretudo em Março, mas também em Janeiro e em Setembro). O mais curioso - e tal constitui um reconhecimento tardio por parte dos historiadores pós-românticos - é que Dionísio o Exíguo teve ainda outro engano mais pesado, apenas provado pelo facto de se saber historicamente que Herodes terá morrido a 750 A.U.B. (ou seja, no ano 4 a.C.). É conhecido - e as fontes histórico-evangélicas são, nesse ponto, óbvias - que Jesus e Herodes tiveram que coexistir, em vida, pelo menos durante uns dias, razão pela qual o ano 0 real deveria ter sido considerado quatro anos antes do apontado por Exíguo. Se somarmos a toda esta demanda aritmética que os anos bissextos, considerados já no código juliano de 46/45 a.C., nunca bastaram, para contar - e sobretudo para logicamente conter - o tempo real ‘que corre’ (em 1582, o desfasamento era já de doze dias o que conduziu a ‘reparações’ em Outubro desse mesmo ano, por iniciativa de Gregório XIII; hoje é-o de 24,96 segundos), concluiremos que o cálculo do nosso Anno Domini (a partir do nascimento de Cristo) é, no mínimo, mais do que problemático.
É por isso que o ano mil, certamente, nem começou, ao mesmo tempo, em todo o lado; nem terá sido, em muitos outros lados ainda, um ano do género “d.C.”, tal como o entendemos hoje. Mais: a própria designação da era a.C./d.C., talvez ainda fosse, na altura do ano mil, em vastas regiões europeias e não só, concorrente da primeira de todas as eras cristãs - a ‘era dos mártires’ -, contada a partir da data das perseguições de Diocleciano, dois séculos e meio antes de o próprio Dionísio ter posto mãos à sua generosa obra de contagem. Por tudo isto, enquanto a memória de todos nós não desenterrar novos factos desaparecidos ou nunca provados, o milénio do ano mil e o actual continuarão a ser tema nobre para novelas. E só. Até porque a história, já o soletrava Ricoeur, é uma ficção criada pela ordem da modernidade.
Foi nos anos vinte do século VI, que o Papa João I pediu a Dionísio o Exíguo que estabelecesse um novo calendário, baseado no nascimento de Cristo. Após muitas consultas e leituras, Dionísio concluiu que Jesus deveria te nascido a 753 A.U.B (ad urbe condita - data contada a partir da presumível fundação de Roma, confirmada ou legitimada, já há séculos, pelo designado ‘código juliano’).
Nesse sentido, segundo as notações de Dionísio o Exíguo, Cristo teria nascido a 25 de Dezembro de 753 A.U.C., embora o primeiro ano da Cristandade só devesse ser contado a partir do primeiro de Janeiro do ano seguinte, isto é, de 754 A.U.B (momento da circuncisão de Jesús, após a sua primeira semana de vida). Acontece que, por não dispor do número e sobretudo do conceito de zero (criação indiana e depois islâmica dos séculos VIII para IX, segundo Stephen Gould), Dionísio não pôde baptizar o ano de 754 como ano 0, acabando antes por designá-lo, para a posteridade, como se fosse o verdadeiro ano 1.
Esse facto viria criar inusitados embaraços nas passagens festivas dos séculos, sobretudo quando, a partir dos anos oitenta do século XVI, com o plano reorganizador de Gregório XIII, a cronologia temporal cristã se ajustou em todo o Ocidente cristão (até aí os anos iniciavam-se, na Europa, nos meses mais diversos, sobretudo em Março, mas também em Janeiro e em Setembro). O mais curioso - e tal constitui um reconhecimento tardio por parte dos historiadores pós-românticos - é que Dionísio o Exíguo teve ainda outro engano mais pesado, apenas provado pelo facto de se saber historicamente que Herodes terá morrido a 750 A.U.B. (ou seja, no ano 4 a.C.). É conhecido - e as fontes histórico-evangélicas são, nesse ponto, óbvias - que Jesus e Herodes tiveram que coexistir, em vida, pelo menos durante uns dias, razão pela qual o ano 0 real deveria ter sido considerado quatro anos antes do apontado por Exíguo. Se somarmos a toda esta demanda aritmética que os anos bissextos, considerados já no código juliano de 46/45 a.C., nunca bastaram, para contar - e sobretudo para logicamente conter - o tempo real ‘que corre’ (em 1582, o desfasamento era já de doze dias o que conduziu a ‘reparações’ em Outubro desse mesmo ano, por iniciativa de Gregório XIII; hoje é-o de 24,96 segundos), concluiremos que o cálculo do nosso Anno Domini (a partir do nascimento de Cristo) é, no mínimo, mais do que problemático.
É por isso que o ano mil, certamente, nem começou, ao mesmo tempo, em todo o lado; nem terá sido, em muitos outros lados ainda, um ano do género “d.C.”, tal como o entendemos hoje. Mais: a própria designação da era a.C./d.C., talvez ainda fosse, na altura do ano mil, em vastas regiões europeias e não só, concorrente da primeira de todas as eras cristãs - a ‘era dos mártires’ -, contada a partir da data das perseguições de Diocleciano, dois séculos e meio antes de o próprio Dionísio ter posto mãos à sua generosa obra de contagem. Por tudo isto, enquanto a memória de todos nós não desenterrar novos factos desaparecidos ou nunca provados, o milénio do ano mil e o actual continuarão a ser tema nobre para novelas. E só. Até porque a história, já o soletrava Ricoeur, é uma ficção criada pela ordem da modernidade.
0 Comments:
Post a Comment
<< Home