Monday, October 25, 2004

Regresso a Tomar - 1 (12/11/1998)



Volto a subir a ladeira que, por perdição, se apoia no octógono perfeito da capela de S. Gregório. Após a curva, entrego-me a mais uns cinquenta passos até que, à esquerda, lá acabo por dar com a casa. Tomar é uma cidade quase silenciosa, vale de grandes enigmas. Terá o seu nome origem no sabor da água da tâmara, ou tamarmá, como se diz em Árabe. Só Aladino o confessaria ao mais incauto dos Templários, diga-se. Mas a ladeira que conduz a Leiria, confessemo-lo, é um local para o mais prosaico dos hábitos, embora daí se desvende o castelo e, às vezes, seja possível decifrar o fio dos grandes nevoeiros da cidade. Foi nessa Rua de Leiria, mesmo por baixo da casa do Engenheiro Alfredo Maia Pereira e da Senhora Dona Cristina, sua mulher, que morei em Tomar, entre o Outono de 1969 e os inícios de 1972.
Para voltar a descer ao Mouchão, e enquanto regresso pela ladeira de sempre, não deixo escapar a casa amarelada que parece querer confessar a tristeza dos seus próprios olhos. Tê-lo-ei muitas vezes pensado, já que, por cima de cada janela, os vidros abaulados dão a impressão de um olhar cheio da mais antiga melancolia. No quintal, entre sebes selvagens, a vinha continua a escalar com alguma dificuldade através de um mastro de electricidade onde o vento ressoará ainda em noites de temporal.
O silêncio continua a ser algo temerário, como se se diluísse no passado e apenas nele, condensando-se, sob a forma de estigma, na verdura líquida da Várzea Pequena. Depois de breves revisitações, eis, mais abaixo, o retábulo em jeito de díptico do Estado Novo que é o edifício dos Correios. Em frente, imune à objectiva e ao olhar, a imensa nora não interrompe, nem por um segundo, o seu movimento circular. Como se tivesse sido, desde sempre, a imagem de um tempo sem apeadeiros, ou sem portos de abrigo.
O rio, hoje, neste dia imaginário e duradouro, vai espesso, galgando a inapercebida represa, rápido como um jacto de águas verde escuras. No outro lado da ilha, as linhas de queda de água do açude desenham no ar o rumor citadino mais habitual e profundo. Para além da margem, na direcção do hotel, o coreto surge repentinamente pela frente, isolado, no meio desta terra vermelha, argilosa, desenhada entre freixos, cúpulas remotas e o inesperado corpo de uma palmeira.
Há uma parte de mim que é de Tomar. Revê-la é espreitar o enigma sem que o próprio se desvele. É isso, ao fim e ao cabo, a saudade.

2 Comments:

Blogger Leonel Vicente said...

Bom dia.
Tomei a liberdade de fazer referência a este texto no meu blogue que tem por tema "Tomar".
Obrigado.
http://tomar.weblog.com.pt

12:21 AM  
Blogger  said...

Desde que fiz do meu computador o local previlegiado para encontrar recordações numa busca quase paranoica em demanda de referencias que guardo, mas que são imprecisas, dos meus antepassados que se diz terem sido em tempos gente que por ali viveu e de alguns se diz e eu não tenho a certeza teriam sido pessoas de nome. Dizem que os Ortas-Dortas ( isto já é pesquiza) são os antepassados de meu bisavô,juiz conselheiro da vara dos orfãos, da então comarca de Tomar e muito chegado ao rei D. Carlos deputado e conselheiro do rei. Ou quiça minha trisavó pois essa parece vir de Seiça da quinta das fontainhas julgo que ligada a nobres familias do local. Tudo isto para mim é muito confuso. Mas eu que vivi en terras distantes fora do pais apenas sei as coisas pela memória de minha mãe já falecida.Hoje sinto uma chamada dentro de mim que me faz apetecer conhecer mais das minhas origens familiares.
Também há episódios que me iam contando de que haveria ascendência judia por parte de algum dos ramose que viviam na judiaria.São muitos os apelidos que enconto na amálgama das ligações familiares mas detive-me neste os Ortas que tem jazigo ai no cemitério da piedade em Tomar. que se diz ter sido gente de muito de seu e de nome,há dois seculos passados. Esse meu bisavô ou trisavô apela mais a minha curiosidade.pelas passagens de histías que minha mãe me contava. Há também a minha avó paterna que se diz ter nascido e ter sido senhora de bastos bens em sampedro de berbequiel ou alburquiel não sei bem o nome parece que haveria nome ligado de nobreza.Um morgadio está nas minhas recordações ??????Silvas? Costas?Marques? Freires,Vieiras,Lopes, e há mais , mas estes são os apelidos mais significativos... tenho tambem uma referencia a Relvas.... à familia Relvas... mas tudo muito nebuloso sem certezas sem saber como puxar o fio a meada ......
minha mãe dizia ..tua avó era de serra de s.pedro era morgada perdeu tudo...ficou sem mãe a nascença o pai lapidou-lhe o património esse tal Marques.foi criada com uma ama. era Silva um dos Apelidos ....muito vago...por aqui me fico gostava de entrar nestes blogs de escrever e receber correspondencia....
Adorei este texto de referencias a Tomar donde sou natural ,é portanto sem a conhecer bem o meu berço natal, felicito a pessoa que o escreveu que me impulsionou a escrever tambem umas linhas pessoais. pretendo ir a Tomar visitar esta terra que me chama Etelvina

1:24 AM  

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