Wednesday, April 13, 2005

Tendências actuais da imagem no campo da arte

Seria impossível determinar as tendências que a imagem percorre no campo da arte. Nesse sentido, o que aqui relevamos é um exercício mais do que uma análise detalhada. O método foi simples e demasiado indutivo: da selecção realizada a partir do livro Art Now 137 artistas no limiar do novo milénio, editado por U. Grosenick e B. Riemschneider (2002), primeira obra de fôlego conhecida que evidencia uma apreciável selecção de artistas activos nos primeiros anos do século XXI, seguimos o trabalho criativo de cerca de três dezenas desses artistas que melhor reflectem a diversidade do vasto painel apresentado.
As conclusões a que chegamos põem a nu apenas tendências. Tendências vagas, mas suficientes para entender algumas direcções de mudança, em contraste com a codificação de Renato de Fusco (de meados dos anos oitenta do século XX). Outra via não se poderia ter seguido tendo em vista auscultar a abertura da actualidade. Seja como for, o sintoma de mudanças vai-se tornando bastante claro em lugares e posições diferenciados, ou seja, na marcação e solicitação de regras, nas propostas de materiais, na denotação de topics, nas efabulações, ou ainda no modo comunicacional suscitado ou provocado.
Analisado o corpus, eis as tendências (aqui intencionalmente reunidas nas suas dimensões temáticas, expressivas ou discursivas):

A preocupação em torno da ideia de espaço

Se o tempo (ou, antes, a codificação do controlo do tempo) foi a grande preocupação da modernidade pós-iluminista, a inscrição do devir humano em “lugares e não-lugares” (M. Augé), a construção de topografias ou a codificação variável de percursos parece agora ocupar um topic privilegiado da nova geração de artistas. Exemplos: Franz Ackermann (1963, t. e v.[1]Berlim), pintor, trabalha com mapas artificiais e transplanta espaços localizados, estruturas arquitectónicas, imagens e motivos para outros locais criando assim a ideia de desintegração. Pawet Althamer (1967, t. e v. Varsóvia), é um artista que persegue um realismo obstinado em oposição ao que seria o “artifício” da vida real (fotografias de praças, toldos e barracas onde expõe vegetação, e arquitecturas nocturnas fotografadas). Janet Cardiff (1957, t. e v. Berlim), por seu lado, utiliza o som em grandes espaços vazios, ou em instalações de carácter performativo no campo. Por fim, Martin Creed (1968, t. e v. Alcudi, Itália) recria espaços por preencher, associados a intervenções minimalistas (balões de todas as cores em áreas imprevistas, néons em frontões de edifícios clássicos, fotografias de paisagens urbanas muito despojadas, etc.).

Insistência na dimensão do quotidiano

Aqui incluem-se processos criativos em que a imagem se funde com o acontecer do mundo mais imediato e quase performativo. Exemplos: Doug Aitken (1968, t. e v. L.A.) trabalha no campo multimédia e recorre a instalações, cujas figuras e contextos são francamente reconhecíveis (um carro de supermercado de cor vermelha, no meio de um terraço). Monica Boncivini (1965, t. e v. Berlim e L.A.) expõe geralmente desperdícios da vida urbana e associa-os a processos complexos de instalação quase sempre com suporte multimédia. Malachi Farrel (1970, t.e v. Paris) propõe, por sua vez, uma amálgama caótica de separadores de manifestações em diálogo com simuladores de máquinas de filmar e censores. Recorre igualmente a instalações onde abundam notas de banco, latas de bebidas, balizas de hóquei, tubos de escape e pranchas de surf, entre outros elementos da vida do dia a dia. Ceal Floyer (1968, t. e v. Londres) é outro artista que propõe, no seu trabalho, objectos simples como, por exemplo, contas de supermercado, sacos de lixo estandardizados ou folhas de papel com círculos cromáticos diferentes. Como escreveu numa das suas obras, trata-se de “mencionar o óbvio para ter direito à voz”. Por fim, Andreas Gursky (1955, t. e v. Dusseldorf) expõe fotografias de grande formato: todo o relvado onde decorre um desafio de futebol, diversas e sobrepostas estantes de supermercado, ou ainda a bolsa de Chicago fotografada em modo panorâmico (com tons bastante contrastados). O movimento de esteticização do mundo, no sentido arte-mundo, é assim complementado com este outro movimento inverso, no sentido mundo-arte.

Representação diversa de tensões sociais

Não se trata aqui de uma arte comprometida socialmente, na tradição das referências pesadas, mas antes de situações de choque particulares que reenviam para ficcionalidades de teor social e também político. Exemplos: Candice Breitz (1972, t. e v. Nova Iorque) é uma artista que trabalha com vídeo ou fotografia que recorre, de modo ostensivo, ao topic das diferenças culturais. Por exemplo, no seu vídeo, Babel (2001), explora a tensão entre diferentes línguas. Também Maurizio Cattelan (1960, t. e v. Nova Iorque) recria o sentido das diferenças, ao ironizar alguns ícones marcantes da história, sobretudo figuras políticas ou religiosas (é marcante o seu trabalho La nona ora que expõe uma escultura realista do papa João Paulo II, deitado sob o peso de um meteorito de cor negra numa alcatifa vermelha). Finalmente, Kendell Geers (1968, t. e v. Londres) trabalha com instalações multimédia que reflectem processos de violência social (exemplo desses processos é uma sua exposição onde, em duas salas de uma mesma galeria, estabelece o contraste entre sacos de plástico vermelhos e rostos cobertos de sangue, visionados em variadíssimos monitores).

Objectos culturais

Estamos aqui no âmbito da hiper-realidade que poderia ser imputada à obra de Jean Baudrillard, já que designa, em termos gerais, experiências de signos e simulações retiradas do real. Trata-se de uma tendência onde a superfície hiper-real é manipulada como se fosse uma espécie de natureza, visando claramente o puro jogo, muitas vezes de forma irónica. Exemplo: Mathew Barney (1967, t. e v. Nova Iorque), artista que produz esculturas-objectos, vídeo e filmes propondo códigos de leitura sempre distintos (mobiliários reinventados, armários preenchidos com rolos de pano, ou a simulação de protótipos de fórmula 1 exibidos em galeria com tecto de estuque muito trabalhado). Tacita Dean (1965, t. e v. Berlim) expõe fotos a preto e branco que desafiam os espaços e os objectos habitados pelo homem, mas sobretudo expõe a fusão de diagramas complexos com objectos visuais (em grandes instalações). Por fim, Tobias Rehberger (1966, t. e v. Francoforte) ocupa-se, no seu trabalho, de carcassas de automóveis de grande dimensão, protótipos paródicos de salas de estar, ou mesas de piquenique sob neve artificial.

O registo de paródico

Aparece associado com situações muito diversas, algumas já referidas, e propõe-se sempre jogar no domínio das descontinuidades ditas intertextuais (ver 6.3.5). Exemplo: Glenn Brown (1966, t. e v. Londres) é um artista que trabalha intencionalmente com pastiches formulados e reformulados, sobretudo através da recriação obsessiva do pintor do séc. XIX, John Martin. Sylvie Fleury (1961, t. e v. Geneva) expõe lâminas de barbear gigantes e trabalha com outros materiais que permitem reviver a Pop art, através de instalações com brinquedos de grande dimensão cromaticamente intensos. Cite-se ainda o artista Christian Jankowski (1968, t .e v.Berlim) que utiliza suportes multimédias variados e reata, de modo paródico, os pontos altos de programas de televisão de grande audiência (simulando concursos, jogos hipnóticos, telejornais, etc.).

O registo multimédia

A dominante desta amostra remete claramente para a proliferação de imagens em todos os suportes: fotografia, vídeo, holograma, filme, projecção de néons, luz, etc. Os exemplos atravessam, com temos visto, todas as outras secções. Poderemos, contudo, dar mais alguns exemplos: Darren Almond (1971, t. e v. Londres) que expõe instalações multimédia subordinadas ao tema da duração (painéis de relógios, esperas em paragens de autocarros, paredes com números digitais enormes, etc.). Daniele Buetti (1956 t. e v. Zurique) que trabalha com caixas de luz policromáticas, mas também com a pele do corpo, denotando, através de instalações, uma permanente tendência hologramática. Por fim, o artista Bjorn Dahlem (1974, t. e v. Berlim) faz esculturas muito grandes de néon e sobreocupa as galerias de arte com ecrãs (vídeo) pulverizados com cenografias do quotidiano.

O recurso à instalação

O recurso à figura da instalação é igualmente generalizado, mas nem sempre combinado com suportes multimédia. Exemplo: Olafur Eliasson (1967, t. e v. Berlim) que associa a instalação directamente com a fotografia. Constrói máquinas de produzir água (em galerias, nuvens de vapor; nos parques públicos, cascatas). Olaf Nicolai (1962, t. e v. Berlim) cria imensas instalações no campo (relva artificial com meio metro de altura, ou construção de pedras simuladas com diversos materiais). Nesta mesma linha ambiental, veja-se, por fim, o caso de Albert Oehlen (1954 t. e v. Colónia) que cria superfícies de grande dimensão em zonas de parque urbano, onde desenvolve áreas e ritmos cromáticos de grande intensidade.

Tendências actuais e a codificação de Renato de Fusco

Na codificação de Renato de Fusco (1983), as grandes tendências da imagem, no campo da arte, dividiam-se em seis grandes áreas: linha de expressão (expressionismo, informalismo, body art, etc.), linha de formatividade (cubismo, stijl, op art, etc.) linha onírica (surrealismo, etc.), linha de arte social, (realismos expressivos: algum Picasso, alguma pop art, etc.), linha de arte útil (bauhaus, construtivismo de Malevich, etc.) e linha da redução (arte minimal, arte conceptual, etc.).
Em relação a esta codificação, o actual leque de tendências parece insistir em práticas de fusão e de descontinuidade (as instalações e o recurso multimédia evidenciam uma hibridez entre o formativo e o expressivo, mas também entre o onírico e o social). Esta conclusão está em consonância com a alteração do tipo de significado da imagem, proposto por C. Owens. Segundo o autor, “o paradigma do observador moderno” reenviava para uma insistência de cariz “totalizante e imanente”, passando ao lado da descontinuidade das alegorias. Hoje em dia, estar-se-ia a superar esse estado e, portanto, pouco a pouco, estaríamos a assistir a um redireccionar crítico dessas práticas significativas (C. Harrison, P. Wood, 1992, p. 988). Por outro lado, o actual apelo do quotidiano, quase sempre com grande pendor irónico, estabelece claras relações com a linha de arte útil e a linha de redução.
Acrescentar-se-ia ainda à codificação de R. Fusco a obsessão pelas espacialidades como uma nova realidade transversal, o peso dos simulacros e da cadeia paródica que os associa a objectos culturais, a catarse social a disseminar-se nas várias linhas propostas (com excepção, porventura, da linha da formatividade e da redução) e ainda uma certa relativação da prática fotográfica pura (que, no esquema de R. Fusco, era bastante transversal) na medida em que, num mundo dominado pelo cortejo visual ininterrupto, ela se está lentamente a converter numa simples paragem desse cortejo (com Virilio, aliás, recentemente acentuou).
A ciberarte, por fim, mereceria uma última e justa palavra. A ideia de um novo patamar artístico, nesta área em grande crescimento, hesita, entre a euforia construtivista (para a qual a representação e o simbólico teriam desaparecido de vez) e a possibilidade de a cultura reencontrar os seus modos, ainda que em flutuante desconstrução, num novo meio e num novo leque de práticas.
Deixamos duas caixas (“Imagem e ciberarte” e a “ciberdesaparição”) que evocam e reflectem estes factos mais presentes do que iminentes. No entanto, é certo que o emergir da ciberarte é outro elemento decisivo no contraste com a proposta de R. Fusco (a obra Digital Beauties de Julius Wiedemann - 2001 - apresenta a síntese do trabalho de cem artistas de webart e pode, portanto, constituir uma base interessante para uma análise às tendências criativas actuais da rede).

Caixa Imagem e ciberarte.
“Será possível uma ciberarte? Uma injunção entre a arte e o espaço ci­bernético? Entre a definição de cibernética dada por Wiener (como ciên­cia do controlo) e a ficção científica do «ciberespaço» criada por Gibson («como alucinação consensual»), a ideia de um espaço cibernético ou de um universo puramente informacional parece colocar à cultura e à arte um conjunto de dilemas fundamentais. Será uma arte cibernética a plena realização de uma tecnociência do controlo ou, pelo contrário, uma libertação finalmente radical, relativamente ao peso do real, e até do simbóli­co, isto é, a possibilidade de um universo imaginário finalmente realizá­vel? Haverá uma poética em correspondência com essa tecnociência do controlo que possa, ao mesmo tempo, explorar uma plasticidade até hoje desconhecida da cultura, das suas revoluções e transformações?
Da res­posta a esta pergunta depende algo mais do que o reconhecimento esté­tico de um conjunto de novas práticas (o hipertextual, o multimédia, a in­teractividade, a conectividade, etc.).”
(M. T. Cruz, 2002, pp. 149/150)

Caixa A ciberdesaparição
“A ordem da comunicação, que Lucien Sfez descreve como um sistema totalitário e auto-reprodutível, arrasta consigo o desa­bar da relação clássica entre o sujeito e o objecto na medida em que as redes e os seus sistemas tecnológicos definem o lugar e a função do «sujeito que comunica» do mesmo modo como se definem os usos e as funções dum objecto. O princípio de objectalização radical que os media interactivos impõem assinala o horizonte da minha desapari­ção. Com os computadores e os cyborgs, a simbólica do objecto desa­parece dando lugar às linguagens simbólicas que caracterizam o seu próprio modo de funcionamento.”
(J. A. Mourão 2001, pp. 299/300)

[1]“t. e v.” significa “trabalha e vive”.

Bibliografia primária.
GROSENICK, U.; RIEMSCHNEIDER, B., 2002 (Org.), Art Now - 137 artistas no limiar do novo milénio, Taschen, Koln.
WIEDEMANN, J., 2001 (Org.), Digital Beauties, Taschen, Koln.
Bibliografia secundária.
ALTER, J., 1981 (113 - 140), From Text to Performance em Poetics Today nº 2, Duke University Press, Durham.
ARGAN, G., 1993, Arte e crítica de arte, Estampa, Lisboa.
AUGÉ, M., 1998, Não-lugares-Introdução a uma antropologia de sobremodernidade, Bertrand, Lisboa.
BRUNEAU, T., 1980 (101 - 107) Chronemics and the verbal-nonverbal interfaceKey, Mary Ritchie) in The Relationship of Verbal and Nonverbal Communication, Mouton,The Hague.
CRUZ, M., 2002 (149 - 154), Arte, e espaço cibernético, em Revista de Comunicação e Linguagens, nº. Extra, A cultura das redes, CECL - Relógio d´Água, Lisboa.
HARRISON, C.; WOOD, P., 1992 (Ed.), Art in Theory, 1900-1990, An Anthology of Changing Ideas, Blackwell, Oxford UK,Cambridge USA.